Os Tormentos Voluntários

François de Salignac de La Mothe-Fénelon

O ser humano está sempre buscando a felicidade que lhe escapa sem cessar, porque a verdadeira felicidade não existe na Terra. Entretanto, apesar dos sofrimentos desta vida, o ser humano poderia desfrutar de uma relativa felicidade se não a buscasse nas coisas perecíveis e nos prazeres materiais. A felicidade deve ser procurada nas realizações da alma, que são uma antecipação dos prazeres celestes imperecíveis.

Em vez de procurar a paz do coração, única felicidade real aqui na Terra, o ser humano procura tudo aquilo que pode agitá-lo e perturbá-lo. Curiosamente, parece criar de propósito tormentos voluntários que só a ele caberia evitar.

Haverá tormentos maiores do que aqueles causados pela inveja e pelo ciúme? Para o invejoso e para o ciumento não há repouso; estão sempre excitados pelo desejo, e o que eles não têm e os outros possuem lhes causa insônia. O sucesso de seus rivais os perturbam, seus únicos interesses são os de menosprezar os outros. Toda sua alegria consiste em estimular, nos insensatos como eles, a fúria do ciúme que eles próprios possuem.

Pobres criaturas! Nem sonham que talvez amanhã tenham que deixar todas essas felicidades, cuja ambição envenena suas vidas! As palavras "Bem aventurados os aflitos, pois serão consolados" não podem ser aplicadas a eles, pois suas preocupações não terão recompensa no Céu.

Aquele que se contenta com o que tem poupa-se de vários tormentos, pois vê sem inveja aquilo que não é seu e não procura parecer mais do que é. É sempre rico, pois ao olhar para baixo, em vez de olhar para cima, verá sempre pessoas que possuem ainda menos. É calmo, ao não criar necessidades ilusórias, e a calma é sempre uma felicidade em meio às tempestades da vida.

Instantes Preciosos